Poemas

Uma solução, qualquer?
Para o engenheiro, impossível,
para o matemático, idiotice,
para o arquiteto, talvez,
para um médico, mais ou menos,
para o motorista, quase nunca,
para o vendedor, mais ou menos,
para o segurança, nunca,
para o político, sempre,
para o marqueteiro, quem sabe?
Para o comunicador, talvez,
para o poeta ou o/a enamorado/a, sempre.

Amar pra sempre
O amor à toa é ingênuo,
incontrolável
coisa boba
rouba segundos, minutos e horas
ilude como coisa boa
sem ele, és página tosca

Aquele fim (passagem de ano)
Rabugentos, deprimidos
mendigos, distraídos,
de profissões diversas, cantavam
ninguém ali tinha um outro, seus afetos expeliam
palavras, vitupérios, rancores, elogios
livres, viviam, sorriam, fumavam, entorpeciam-se,
às vezes, verdades, em outras, provocações
de pé ou sentados, dispensavam tristezas
não brigavam, aborrecidos, dançavam como Shiva

Ah, a criança
Faz-me entender evidências
um sorrisinho, um aprendizado, um abracinho e um beijinho
tudo pequeninho
retoma os primeiros amores
e reescreve significados inscritos em mínimos

A saudade
Faz-nos lembrar os carinhos, os aprendizados, os aborrecimentos e as preocupações
faz com que valorizemos um amor ou amorzinho (e aquele abracinho, aquele presentinho ou beijinho)
o quanto fi(n)cará...
pode matar, sim, porém é ela quem inspira a de novo amar
nunca para um sempre
reverberará em dias enquanto um alguém lembrar

De fora
Para dentro
(a todos os que tentaram)
Beberam demais, drogaram-se, não seguiam regras, eram maluco/as, doido/as, descontrolado/as
experimentaram, tiveram incríveis e imensos prazeres,
fizeram do quando um pra sempre.
Casaram, traíram, amaram-se, odiaram-se
condenados, morreram,impossível um cotidiano de hipocrisia
e para se afastar só o transe

A felicidade
É tão barata, não rara,
todos deveriam tê-la,
esta menina que invade, entorpece, desafia
é tão, mas tão linda
quem a compra ou dela se apropria?
nunca a encontrei em gôndolas ou em feiras
embora em cada segundo ou lugar esteja

Impresso
Teu corpo seduz, aciona, sangra e vibra
sem doces, suavidades, aromas e sabores
amarga,
rasga,
deixa na língua a passagem

O corpo
flagrado
tocado
despido
amado
untado
salgadodescobertoenrugadodesgastadoruídosagrado

Chega
Não conseguirei, tentei e não apenas uma
as vezes todas falhei
quis acreditar em deuses, até mesmo cogitei extraterrestres
não eram deuses e nem extras
querer não foi o suficiente
hoje vago não no que acredito, eu reviso,
reencontro, recupero, reanaliso
já não tento, irei, embora como todos os crentes
sou um ateu em improviso

Os amigos
Tenho poucos e poucos os intensamente amigos
e parentes descobertos até tardiamente
alguns imersos por tanto tempo...
amizade não é força e nem é pelas efemérides
é uma surpresa repentina de que na esquina nos encontraremos

Sedução
O q fazer, talvez a minha inconsistente atração
talvez meu ausente controle
talvez, quem sabe, diante destas palavras
estejas flertando com um poema

Adulto
Nos tempos em que brincávamos na casa dos avós nada sabíamos de doenças e mortes a não ser quando imitávamos os filmes e seriados, a consciência levou o faz de conta e entregou-nos a finitude.

Enfim
Viver é a vida cheia de avessos com tudo o que é adereço
conectar sorrisos aos lamentos
não porque saudades e sim no apelo de quem sorveu

Sou
As risadas, os desentendimentos,
os carinhos, os segredos,
mergulho-me em nós para um sempre

Aprendizado
O que fazer sem as fantasias e as crenças,
sem as expectativas?
Como o amanhã sem os sonhos?
Talvez por isto as narrativas nos encantem
a ficção inspira

Idade
Quando não entender mais o que vem a ser às vezes saberei tudo

Tempo
Pode o tempo dizer-te?
Bobagem esperar dele uma ação de quem o percebeu
tempo não é massa, não pensa e nem planeja
o que dele temos é a vida a se desprender

Amar é recordar o amor da procura.

A maravilha
Tem começo, nunca vi um meio, sempre um fim. Repentinamente, está lá, dá-nos a graça a fim de a curtirmos, sinta-a, apenas, não racionalize, quem tem a estúpida ideia de entender sentimentos? Maravilhar-se é só uma vez, ali um outro/a, aqui uma paisagem ou um ser distinto surpreendem-nos para guardarmos o breve sorriso.

Enfim, o amor
(para um sempre)
Fostes o que nem imaginava
rompestes a minha coragem
desafiastes a minha covardia
deste-me asas, subi e cai
em deslumbre
descobri atalhos
e lembrei-me de tudo
imaginar derrubou-me
finalmente, aprendi


E acordado vi, ouvi, percebi
em sonhos, tudo se fez porque vivi

Pouquinhos
É... a vida vai ficando assim às vezes às pressas
em uma parte, ou em algum lugar, devagarinho
até que a gente a espreite nas ondinhas pequeninhas de um rio ou de um mar

leva-nos, por vezes, de mansinho,
há quem a queria às pressas
é que devagarinho percebemos o uivo do cachorro,
o trinar dos pássaros, o sono de uma senhora ou o roçar de um gato
aos pouquinhos, deixo-a para viver nestes espaços

As cartas
Não podes fazer desta carta um testamento,
não escrevas as dores e as lamúrias,
só as batalhas, deixe-nos claro as estratégias
cartas narram eventos, ideias, amores, tormentos
dão-nos o abano necessário e uma saudade de ontem

Amor
É uma forma louca de gostar,
nem sempre é extasiante, nem sempre excitante,
é gostar muito, nem sempre exagerar.

O povo
Nós podemos criar e dizer não
ter trabalho, educar nossos filhos
dizer-lhes da confiança que temos em suas conquistas
negar o autoritarismo e estabelecer o diálogo
recuperarmos a força em cada tropeço,
tudo porque nos criamos em luta
dentro do menos somos os maiores criadores do futuro

Poema
Não é significado
nem coerência ortográfica
desafia a gramática
ofende regras e propõe desafios

Sintas
Vc não lê, sente poesias
vc não sente, lê poesias
poesias nunca terminam
até lê-las para sentir as poesias

Excita-me
O corpo que eu te amei impregnou-se em mim
lembrar os aromas flutua-me em ondas

Incompetente
Não tenho o poder dos grandes
a entremearem sentidos
e deles fazerem palavras
versos e (i)mundos


62 anos
A criança que eu nasci brincava admirando os brinquedos alheios
ouvia deslumbrada as histórias de adultos
e aprendia a transformar tocos, papel, papelão ou arame em brincadeiras
a criança virou figurinha manchada em álbum
e, no verso, só as histórias de quem as sobreviveu


Sentido
Uma criança entregou-me uma flor
desenhou-me garatuja
escreveu-me o inesperado
deu-me um átimo para a vida

Curtindo a vida
Para passar, desviei
pensei, ouvi conselhos
e todas as vezes em que me perdi voltei
agora devagar curto os desvios

Talvez eu não dance tão bem
e nem te ofereça uma bebida
talvez eu não te surpreenda
e nem apareça
danço a mim mesmo em meu limbo

Pieguice
Não posso ser o que nunca pude
não tenho como deter a marcha das dores
não controlo ritmos, navego apenas

Ancestrais
Impregnaram-se em cheiros e marcas até que a expedição os desvendem

O amorzinho
Ouvir e sentir o aroma daquele instante só para recordar-te para sempre.

Eu não consigo descrever
elas disparam em velas
e não comando ventos

Querido/as
Eles não ficaram, estão comigo, afeto é para sempre.

(2017)
Agosto
deixa-me um pouco de tuas sombras dos balanços em praças
as frenéticas silhuetas nos paralelepípedos
a sequência rápida dos troncos
e os perfis dos montes que só percebemos em estradas
deixa-me os ensaios da primavera
as poucas nuvens escuras
os calores
os sonhos
e os piados da madrugada
parece-me que é só de inverno em inverno que eu confundo o odor do carvão com a imagem de um ente querido

Prazeres (só nosso, sempre menina)
Com sabor é maestria
recordar a acidez, o adocicado, o salgado e tudo
os aromas das primeiras...
Gurmets reconhecem e guardam bem guardados prazeres vividos

Só por viver
Só pelo bonito que hoje nasceu nos prazeres das manhãs, das tardes e das noites
pelo bonito ouvi, vi, senti, gozei
pelo bonito admiro todos os únicos momentos

O poderoso

Onde está o homem, o homem , por favor, o homem
onde está o homem, por favor, homem?
Seu extremo, homem
seu intento, onte está?
Um segredo, um segredo, um segredo de homem
onde estás
homem?
o pequeno, o grande, o imenso e poderoso
de tudo fez seu
não és, embora o criasse, deus
a fraqueza está neste que se fez
és homem e sempre serás um homem

Resta um

O resto do corpo
é um pouco de tudo
é a parte de um todo sozinho

Omem sem agá

Um homem é mais do que anseia ou pode ser
é imaginação, sorriso, abraço, e beijos,
é fonte e receptor,
é transmissor, é violência e estupidez, é insensatez e intolerância,
é desejo, prazer, surpreendentemente, indigno
é obra e arte, é criativo,
é traidor, infame e monstruoso,
o que legará a este planeta e universo imensos?
Mais um que desaparecerá repentinamente

Recordar você

À distância, só o olhar
ouvir, comparar aromas
degustar
quais as texturas?
tudo salvo em vivências

Inocência perdida
A criança que fostes está hoje aqui
ri, encosta a cabecinha e faz beicinho
pede um doce, um refrigerante, um sorvete, um presentinho
quer brincar, não te aguardar sentadinha

Aquele/a que não é você
ameaça, apoia, abriga
é companhia, um/a algoz ou um/a repentina
o único amor suspenso
está por aí te perseguindo

Selfies
Caras, bocas, olhos, ângulos, sorrisos,
encene, expresse, componha
expressarás, ao menos, teu paraíso

Eterno
Os belos lugares destas belas pessoas
guardo-os para um sempre
para só então eu voltar quando de nós lembrares

Minutinho
Para ter este pouquinho
sigo ao infinito
ele nasce, porém, neste minutinho


Cresça
Você cresce pra ser grande e já grande deveria ter entendido o que era ser pequeno.

Por aqui
Fiquei
com o chorinho da madrugada
com o riso
e com o adulto intrigado com as perguntas infantis

Saudades eternas
(Aos humanos e aos bichinhos queridos)
A dor só existe para aprendermos
quem a suporta, quem a supera? É para um sempre, mesmo que tão distante o início
é adoecer as saudades amadurecendo-as em cada dia

Alivie
Às vezes, é o pouquinho da vida que grita para o mundo
alivie, és vida, não exemplos

Ciclos
E o hoje é um dia
especial como aqueles
eu corria, pulava e gritava
abraçava, beijava
degustava e sorria ao vovô, à mamãe, à titia e a vovó
hoje o que há de especial é o quanto estás neles

O que há nesta noite se não os furinhos sorridentes lá do céu?

O sopro

minha pele
as minhas vontades e os pensamentos
as minhas aspirações, o que registrei e o que omiti
nada é parte
da pele à alma escondida debaixo dos cobertores
tenho tudo que se esvairá em um sopro

Como passa o grande homem

elevou, pesquisou,
assegurou,
pintou, julgou, matou, gostou, amou,
pensou,
costurou,
geriu,
cortou,
transportou,
recuou,
governou,
roubou,
fumou,
chorou,
pariu,
gozou,
saboreou,
esqueceu,
cheirou,
iluminou,
limpou,
decepou,
ouviu,
desligou,
colou,
abriu e viu,
meteu,
sentiu e escreveu

Saudades
Ele/a vai e vamos juntos
vai sua ternura, inteligência e crítica mordaz
ele/a vai onde eu nem sei se um dia reencontrarei
vai para que esta ideia eu segure
nesta tosca e leve imaginação do que fomos e nunca mais

Um outro humano
No trabalho, era pai e mãe, avô/ó e tio/a
no atendimento, gostava de risos
no acaso, era filho/a, companheiro/a
como passageiro, dormia
como/a vizinho/a, roubava
como vendedor/a, era um/a atleta
em entregas, nas horas vagas, amava
um/a político/a, ou um/a inimigo/a?
e, como autoridade, definia tudo
presidia cerimônias, orava e fazia orar
dava conselhos
e tudo o que era era tudo

A linda
Sinto se revelo o que há de abjeto
És linda não apenas porque feminina
ou porque é teu este jeito, o beijo, o olhar e as decisões,
rejeitas especialmente
és linda até nisto
como mulher, como irmã, mãe e amiga
uma lindíssima que eu tanto queira

Saudade incrível
(Homenagem aos queridos - aos amigos Paulo Roberto Santos e Graziele Prado, especialmente, serve-me, porém, muito)
Repentinamente, acordas e percebes que podes rir
tiveste a autorização após a despedida?
Só podes porque nele revives

Egoísmo amoroso
Se eu pudesse, não era o mundo que eu gostaria de te dar e sim um sempre comigo.

Paradoxo
Estou quase e nunca chego,
porém sempre estou e quase

Na lagoa (Erótico I)
Mal lembro o que toquei ou percebi em aromas
ouvi bem ou recordo sabores?
É nítida, porém, a imagem destes prazeres

A vida
O lugar em que estás não é perto e nem longe
o lugar fixa-se neste instante
pais, os tios, os avós, os primos, os pets, os amigo queridos, os/as exs, tudo o mais, anda por aí
sinta-os apenas, evite retê-los,
perceba-os como uma incrível e maravilhosa vida

Gostei demais
Pensava-te, sonhava-te,
e não era às vezes
para que?
Não, nunca foi, instalou-se
em um tanto que transbordou


O mistério da beleza
Não és bela porque a vejo
és, porém, para sempre enquanto a admiro


As lágrimas que me fazem bem
Há, sim, e não me tirem estes instantes, sei lá quanto, que curtir a tristeza, seja a que seja
os instantes em lágrimas de luto recordam aromas e momentos tolos
sem elas o que eu seria
choro sim de saudades que levarei para a eternidade



Aspirando
Neste lugar, onde eu nasci,
cresci
onde amadureci,
relações (que importa se as mais terríveis?) onde aprendi e aprendo,
nos intensos, maiores e nos mais rápidos amores,
onde vivi os seus e os meus temores,
neste lugar, onde planto e contemplo,
onde construo e desfaço,
neste lugar, em que recomeço,
onde lembro e, às vezes, me surpreendo
lego apenas a experiência, nunca tive nada
apenas senti


O escrito ficou e não era um registro
não eram palavras exatas
eu lia todos os dias e em todos eu o encontrava diferente

Viver
Sem o som e não é o silêncio
nenhuma tv, celulares, conexão alguma
sem o urbano
só cães, gatos, aves e grilos
e os pingos da chuva
é só a vida

Quando a saudade incorpora
(homenagem aos amigos Norton, Ferreira e Getúlio)
O que ensinaste me deu a chance de ver um novo mundo
o que vejo hoje tem um pouco de teus olhos e dos teus sentidos

A todos
e se foram os desconhecidos,
os parentes, os amigos e os repentinos
aqueles que construiram
foram-se como queridos e inesquecidos


Fêmea
E a mulher que estimula a masculinidade
ou a que lembra a maternidade?
A mulher dita ou a maldita
a amada ou odiada
a que esperamos
e imaginamos conquistar
a rejeitada, a selecionada
a adorada e idolatrada
mulher...
 
Ah, amar (para o sempre)
É o que talvez você e eu não tivemos
é o que esperamos
é o que queríamos e não temos
uma certeza impossível, por que?
somos nós no amor ardente de ontem
e que se revela todos os dias
 
A nossa velhice
(só para idosos)
Ver o outro e percebercer-se
no espelho o que no outro havia
em nós, o que há de sangria

 
O beijo
E o de repente veio-me
será hoje ou no próximo minuto
foi em um ontem, talvez,
eu o detive em (d)e(s)ncontros, em risos e riscos
fez-me melhor
encontro-a linda como naquele dia
por isto, eu a degustei tanto

Anos
A idade (ou velhice) traz
um tanto de incômodos
doenças nunca imaginadas e perdas
de expectativas e dos queridos
traz profundas reflexões, as lembranças e os legados
talvez retransmissíveis
a idade é um peso e uma dádiva
nada diferente de tudo o que foi a vida

Este
O meu minuto não é este
não foi aquele, nem será um outro
meu minuto é escrever o que vivi

Lugares
Esses lugares em que visitastes
esses lugares em que moras
esses lugares tão típicos
lugares em que lembras
em que aprendestes
onde cantastes e até dançastes
esses lugares com os cheirinhos da cozinha
os labirintos e as descobertas
as cartas guardadas em chaves
os sofás, as poltronas, as mesas
esses lugares com fotografias muito antigas
cristaleiras, aparadouros, estantes
esses lugares de estreitas ruas
as casas coloridas e aquel'outra a esconder meninos e meninas
esses lugares existem apenas quando cantamos saudades

O amor de viver
Como sobreviver a perdas se pensávamos possuir tanto? A juventude é uma maravilhosa experiência, porém tênue, para aquilo que nos parece tão pouco, talvez o que realmente temos é o valor de que não vivemos para ter e sim pelo sentido.

Fazer
Se eu pudesse da minha vida fazer
benefícios e prazeres
esconderia os revezes
se eu pudesse, faria
o que tenho, porém, é o que eu tenho para vocês

É tarde e te amo
Pode ser tarde ou tardio dizer eu te gosto muito
talvez um eu te amo, talvez nem dizê-lo
admirar-te foi único
a biografia deu-nos tanto e hoje é tarde para um beijo

Registros
Os dias que nunca mais percebi
os olhares flagrados em instantes
registram as horas nunca mais agendadas
em memórias que vivi

A um alguém
Há alguém que pode
um ateu, um crente
por vezes sem endereço
ele/a pode e faz
lega-nos o espírito de que há um alguém
e pode

Um grande amor
Se eu pudesse, sei lá quanto sem, dar-te-ia aquele beijo e um gigantesco abraço
não provocaria, embora seja um tanto o que lembro
não esconderia a tensão e nem a relegaria para outros tantos
é não apenas imediato, pertence a um sempre

O culto
Dizer o não-dito
escrever e não dizer,
silenciar e pensar
ouço, escrevo menos,
dizer para quê?
O/culto-me

Rugas
As mãos registravam
bastaria agora e apenas decifrá-las

A vida não é quantidade
é a qualidade de todas as sobrevidas

Gêneros
Há um homem, um lobisomem
uma mulher, uma vampira
alguém, nem um, nem outro, que se vira
mulheres e homens
há viras
 
O brinquedo
Eu não inventei palavras para o desfrute
nem a luz, a noite, os minerais, os vegetais e os animais para o usofruto
nada foi para você
para um sustento ou um deleite
nada com alguma razão
não inventei, brincava, apenas

Sexo
Os pés entre as pernas
e os ventres colados
no beijo, as línguas é quem gozam

Quem não existe
Teria sido um homem
um pai ou mãe, um amigo/a, um/a irmã/o
um/a menino/a
um/a aluno/a
um/a funcionário/a
um/a gerente
e até mesmo um/a proprietário/a
aprendiz foi sempre
é hoje aquele/a que não existe

Os dias
(excitados)
não postei novidades
nem fiz o café da manhã
silencei sem ais ou arfares
lembrei da praia da confissão feliz
e da lagoa
da única e rala neve
da tarde, da manhã, dos corpos
e da intensidade daqueles dias
 
A linda
E tudo que é bonito e feio
fazes tão bonito quanto uma vida para um sempre
faça, és já bonita e feia por toda a vida

Fonemas
Ouça bem ao pronunciares a palavra balança
irás e voltarás
digas de novo
toda palavra traz a magia sonora do que significa
é como bunda
gordinha, fofa, outras nem tanto, a maioria, porém
algumas muito
bunda é melhor do que nádegas
ainda bem que os africanos trouxeram o termo para esta propriedade

Tarde qualquer
Tão silenciosa tarde como ontem ou um dia qualquer
onde o ruído dos automóveis, as batidas de um martelo, uma máquina de trabalho
o ruído das tvs, rádios, os latidos ou os miados
onde estão os pássaros?
foram-se os segundos, os cães voltaram a latir e os pássaros com os pios
retornaram os miados, as batidas e o roncar dos motores
a tarde rompeu-se sem os ruídos

Posso?
Eu posso ser e fazer, incrível
eu posso dizer e não fazer, fantástico
eu posso mentir, omitir, impressionante
eu posso sentir e nada dizer
eu posso tudo, até mesmo não ser
Posso espiar?

Anjos reais
Há uma espécie de pessoa que nos oferece afeto
a palavra ou o ouvido
gestos de gente que é uma espécie rara, flagrada por aqui
pessoas que não-raro esquecemos
percebê-las é como encontrar anjos travestidos de gente

Só escrevo
Nunca pensei-me como um poeta
só distribuia palavras à procura de segredos
descobri janelas às quais só abro aos pouquinhos
jan 2021

Ao escritor
A prosa arreta, o poema encurva
a crônica é agora e o conto anuncia
o romance amplia, retomo a poesia
escrevo ao acaso para encontrar a cria

A rotina
é hora e é agora
retorno ao ontem para seguir amanhã
é hora, é hora
vamos todos voltar
eu e você
a quem vamos reconhecer?
É hora e é agora
voltaremos todos amanhã

todo dia toda hora
os minutos e os segundos nada registram
apenas indícios de um tempo consumido

suporte, ele é o teu senhor
supere, você o reconhecerá em lembranças
ele vale todos os segundos e minutos
vale a hora e o dia, os meses e os anos
o tempo que destes não será nada em breve
apenas legados

O chinelinho de lacinho
Este teu chinelo e o lacinho
este mistério é o teu jeitinho
a graça que ali habita
me apetece e se aninha 
 
A luta
E ser o passado e ser o/a amigo/a
ser o/a amado/a, o/a querido/a
o/a danado/a, o/a ferido/a
o/a castrado/a e cansar-se de tantos perigos
o/a sensato/a e perceber-se
e ter ferido
sempre foi difícil
o teu estilo é sobreviver a tudo isto

 
O perfeito é deter
Detenho o aroma, o tato, o gosto, os toques, as palavras
o agora
aquele riso entre queridos
se eu pudesse, deteria tudo
e, por impossível, usufruo do legado em tê-los comigo


A saudade é um dor perdida
é dor e sempre será
até que lá distante o que o/a tocar
seja o doado e apreendido
reencontrarás o/a teu/tua querido/a
no sorriso recuperado

Anjos
Não sei o que são ou foram
aproximam-se com os abraços, ouvem-nos e sorriem, embora os nosso delírios
O que eu sei destes inesperados?
Foram-se para que eu continue a lembrá-los até o último minuto 

Sobrevivendo
Só posso amar na insuficiência
embriaguei-me ontem
e nem sabia a hora, mal sei que dia é da semana
preciso de um trabalho, volto a uma nova entrevista
bonita, imitei a todas muito bem
ao fim, aprovada, retornei à embriaguez
pesada maternidade, ser mulher, sedutora e recatada
só quero criar para um sempre
sempre ineficiente 

Senhoras e senhores
Não me façam ser tão certo
tentei, eu juro, segui-los
eram senhores reproduzidos em senhoras
descobri adiante que estas sobreviventes vivem pelos seus temores
 
Lugares
O do outro é um lugarzinho meu
sou eu vivendo
neste lugarzinho que é só teu 

Nascimento (ao meu amor)
Há um amor nascendo a cada dia
morrem todos em seguida
a cada dia um renasce
até encontrar-te neste dia

Assombração
Não parto facilmente, assombro
fantasmas vivem, nenhum é morto
blefam porque vivem virtualmente

 
O testamento
Aos parentes irmãos agradeço ouvirem-me, confissões são difíceis
o que posso retornar senão as recordações de quem me compreendeu em desespero
aos amigos, uns já idos, celebro os êxtases e muitos risos
aos sobreviventes, brindem
viver foi este enorme sorriso

Mínimo
O gestual soma o simples com a ausência

Herança
Nossos vestígios submergem nos projetos paisagísticos

Humanamente

nossos vestígios sobrevivem
e virão novos juízos
os enterrados voltarão apenas
como um índice de nossas tolices

Amar o impossível
(Inspirado no seriado Boa Noite Outra vez-Netflix)

Há algo muito especial no amor impossível
arquivado, levita
o/a mais tosco/a, o/a mais tolo ou tola nele sobrevive
esquecê-lo, como?
será sempre uma esperança querida

Historiador

Buscar as razões de quem já passou
pode inverter juízos
decepcionar
repor significados
decifrar desejos, covardias e coragens
revela, porém, uma existência possível

Ali
Há um lugar lá fora
um adeus e uma redesignação para aquele ontem

Bem perto
Quem está ao longe
se perto eu o(a) sinto?
quem está pertinho?
lembro-me de nossos íntimos
uns flagrantes vividos porque pertinhos

Eternos amantes
Não estavam juntos acostumaram-se sem o outro
as aventuras os surpreenderam
o que um não o outro vivera
e o que viveram acrescentava agora
o suficiente para provocar-lhes o riso
ao fim, assim como no início, amaram-se em um bastante e nítido momento

Legado
já não há mais corpos presentes
apenas um sabor
o teu perfume eu curto como antes

A criancinha
Brincamos de adulto para deixarmos para trás a criancinha
ela se manifesta ali em todas as meninas e menininhos
um dia a nossa criancinha fugirá de um adulto
para retomar todas as brincadeiras


Era só um poeta
razão porque no velório do amigo despejou-se em palavras


Re(em)torno
uma insistência, uma lembrança, uma reflexão, uma tristeza
um minuto e poucos segundos
eu não alcanço o infinito
mistérios em q descobri
o teu beijo, os desencontros, meu passado ruim
o que aprendi
as minhas manifestações e
meus choros estão aqui


Por que a tristeza é tão pontiaguda?
perguntei aos mais queridos
e ela manteve-se a penetrar lentamente
quem a lançou, eu a busquei?
tristeza estranha não se define


escrevo pra perder
pra ganhar eu vivo
escrever é sempre pra perder o medo
e talvez as palavras revelem-me
o tempo é tão, mas tão, rápido
q talvez eu até consiga reter escrevendo um pouquinho
apenas um pouquinho dos bons afetos

Recordando-me
como não há-mar ou sussurrar o que sentimos?
daquele instante adiante recordo apenas o que cheirei e degustei em peles


Eu tenho um corpo marcado, maltratado, decepado, participado, infantil e adulto, superassexuado
desafogado pela menina
que hoje revela o másculo íntimo


não escrevo
despejo palavras
e nem poeta posso dar-me
o que sei de ritmos e composições?
Sei apenas o que penso, sou apenas um homem ou mulher daquelas ruas a escrever
parece-me que as palavras têm comigo um dueto
escrevem-se eternamente atrás de fonemas como em um vento

Mulher
não é a vulva de onde nasceste ou endeusaste
não é a madrasta e nem a mocinha assediada
não é tua chefe ou a menininha desejada
não se molha pelo teu vigor ou pelo que desejas
talvez ela seja a tua mãe escravizada
(não poucas vezes, entenderá o psicanalista, desejada)

Descobri tarde, sempre é assim
as mulheres são, sempre são
os homens pretendem


Pra que? Para saborear prazeres (e algumas ilusões), os odores, os calorzinhos, frescores, toques (abraços, beijos, os mais excitantes e os já há muitos anos investidos), suaves ou ríspidos, ouvir e ouvir e ouvir, talvez o silêncio, ou a brisa, quem sabe um rock pesado, um samba, a música erudita, o pop, até mesmo o funk, o sertanejo, o tradicionalismo, há quem os prefira, os sabores, ah, estes que me elevam a recordações de parentes e amigos ou às muuuito amorosas (algumas tão intensas que se fixaram agridoçamente às memórias, exclusivamente minhas e íntimas).


O meu impacto é com as vidas desprezadas
e pelas vítimas que lá atrás me legaram esta consciência
esta que as percebe em pedras, nas edificações e nas plantas hoje tão lindas
a mesma que as incitam a renascerem não por uma cruz, ainda há consciências
meu impacto é real como todas as dores neste mundo
não somos mais sensíveis ao sagrado
e nem temos mais uma ideia do que sejam os nossos mortos
todos suspensos neste nosso delírio 

Íntimo

Mas e se eu me for, pensei nisto por alguns instantes antes da cirurgia de ponte de safena e mamária, faz uns dois anos.

Se eu me for, lembrarei do beijo, não devia, sabes, agora, que o que dei revelou meu íntimo
não sei mais do que os mesmos e sempre minutos ou segundos de todos os outros, até mesmo dos inimigos
o que sei mais do que aquele mínimo segundo em que tivemos algum prazer?
o que sei a não ser as leituras e vivências?
O que sei levarei porque é só no túmulo que segredarei os nossos íntimos

Sombras
Sombras sobrepõe-se
os mortos andam por aqui
comunicam a mudez dos habitantes
sorriem dos múltiplos olhares
e nos veem sofrer nas decisões dos governantes
registram a orações das religiosidades
e assombram com as melodias de sempre
nunca tive mortos por inteiro
nem vivos suficientes para esquecer tudo isto

o amigo partiu e o namoro acabou
eu me vou, mãe
quero os seus abraços e os muitos beijos
pai, eu voltei neste dia desconhecido que se foi
com as nossas canções e os nossos rápidos momentos


Eu queria ter tido mais sensibilidade
queria ter aprendido melhor
encontrar queridos
ter sido melhor para amar
queria poder expressar
e na escola saber bem mais
cantar e dançar
quem sabe este meu querer é tudo o que eu tive
sou aquele que tem saudades de tanto lembrar


O nunca e sempre o primeiro

Nunca, nunca haverá nada igual
àquela infância ou aos amigos que tive
aos pais ou aos professores com quem vivi
às horas que experimentei tudo primeiro
a voz, o beijo, o primeiro orgasmo
nunca haverá um igual
haverá, porém, sempre um primeiro

Eles ou elas

De qual sexo seriam?
um corpo sagrado e desejado
ou as bonecas alvejadas?
Aquelas mulheres que mal se pareciam
ou o mistério de um outro criado
qual o sexo eles ou elas teriam
qual cotidiano os/as desafia?

É cedo demais, eu sei, para sentir
é cedo, eu sei, eu sinto, porém,
percebo o canto do pássaro
o miado de um gato ou a cigarra a emitir um encanto
o latido de um cão
o revoar de um grupo de aves
o som do campo, do parque ou da praça onde ouço todos
nos verões, nos outonos, nos invernos ou nas primaveras
são os tempos que ciclam
e eu os sinto

Viver é estranho
tantas frustrações, incompreensões e muitos, muitíssimos equívocos (e, por vezes, até demais)
e, repentinamente, aparece-nos um(a) querido(a) que reconstrói o perdido
eleva-nos a alma
erige as nossas mensagens como se elas fossem, e apenas elas, mitos
lembro-me do amigo há não mais de um ano falecido
o que diria e o que pensaria?
Impossível pensá-lo como autoria
sou hoje um pouco de todos estes queridos entes bem vividos

E qdo é que serei feliz?
talvez agora com um pet q me faz sentir
talvez nos encontros
talvez por este leve, porém, agradibílisso bem-estar
é estranho ser feliz por pouco
poderia estar em uma linda paisagem
amando às tantas
talvez ser feliz cada vez mais sem
mas vc pertence a estes mínimos capazes de me tornar um novo

Talvez eu não tenha mais tempo
viverei para ti
talvez nem respire mais
transpirarei enquanto aqui
talvez eu não consiga
eu lutarei por ti

Os dias (viver na sequência ou pq eu vivo)
O rosto daquele homem estranho, da mulher q nem cumprimentou
do menino e da menina escolares q acionaram uma campainha, brinquedo divertido
os rostos aparentemente estranhos daquele homem sério, da mulher aborrecida, alguns vizinhos de porta, outros de rua, da confeitaria ou destes dias em que vago por vagar
a moça do caixa que sorri treinada a parecer solícita
dias como os outros repletos de sorrisos e enfrentamentos, de desencontros e de surpresas
são os dias para um mais ou menos ou para um prazer raro de quem descobre um motivo para a vida

A todas
Nunca fui um homem suficiente
tive as melhores oportunidades perdidas
encontrei-me com elas para de repente perceber que
nunca tive a última
todas foram sempre as primeiras

aquele pedaço de corpo
ah, aquela parte (lembro-me tanto, um enorme prazer)
deleitei-me por inteiro
uma coxa ou um púbis
o pedaço de corpo que eu curti me deu o que somente eu quis
um pedaço de prazer para um pedaço de um corpo curtido

É preciso estar acima dos 50 para compreender que a vida de quem amamos é uma liberdade irresistível.

Homens
Há um homem que nasce
um outro que morreu
um homem que morre e um outro que renasceu
um homem com face e um que correu
há um homem e talvez até a gente o veja
aquele que morre e renasce em instantes à frente daquele que morreu

Aos grandes amigos
(aos antigos e aos recentes...)

O que sabemos de anjos?
Seriam aqueles seres alados a interferir em vidas tão ínfimas?
Católicos e por consequência cristãos?
Fadas, duendes, etéreos e sutis a sussurrarem em nosso ouvidos?
Só a experiência divina, porém nada religiosa, de vir a ser salvo por quem torna tudo isto compreensível
nada etéreos, nem asas e nem religiosos
eles habitam nestes labirintos incríveis um tanto estranhos que só a vida sensível nos permite

Ofereci um coração a alguém,
e ela ficou surpresa, ora, imaginem oferecer um coração, era apenas um coraçãozinho, bem pequeninho,
de uma bijuteria, barata, talvez.
Que nada, um coraçãozinho vale mais do que os ímpetos de paixão, embora necessários para entender o coraçãozinho.


Eu espio como um cego

De vez em quando dou uma espiada
eu, a vida, precisamos, disto
enxergar os encostos
os sucessos, os fracassos
espiar porque viver sem perceber (pouco importa se a imagem é visual) é viver sem vista
espiar o amanhã, a próxima hora, ou até os próximos minutos
como o cego que parece nada ver
ele também espia
forma imagens sonoras, táteis, olfativas e gustativas
espia às vezes melhor do que aquele que vê sem perceber
é nesta hora que vem a surpresa e nos dá o famoso golpe de vista

Aos amores

E se fizeram amando
o tempo deu-lhes tudo
outros e outras e até as culpas em labirintos
amaram-se em uma daquelas típicas tardes só para conhecerem os prazeres
e repentinamente vieram todos os demais dias
até que bem depois o tempo lhes estornasse a vantagem de recordarem todos estes encontros



Aprender c o outro não apenas c os conselhos não somente c os diálogos e c as brigas
aprender q amar denuncia q um dia lembrarás disto tudo

Números
Qtos anos para conquistares aquele amor
e os minutos ou até segundos para perdê-lo?
Qtas horas e dias, até meses, para passar aquela dor
qtos minutos ou segundos para a hora tão esperada
a felicidade escorre sim, mas a esqueces muitas vezes
Quantos abraços, beijos e sorrisos desprezastes pelas quantas vezes que querias o que nunca soubestes

Não me interessa o quanto você grita
o quanto és decidido
o quanto mandas
o quanto machucas
o quanto desprezas,
o quanto destróis
o quanto levantas, o quanto proteges, o quanto de músculos apresentas
o quão inteligente, o quão esperto,
o quanto aparentas homem
um homem emociona-se diante de um inseto morto
ao lembrar de um ou algo tão querido
um homem é a força infinita de amar o minuto mínimo
é uma força ínfima que surpreende todas(os) (os)as amantes


O homem que eu quisser nunca foi um homem verdadeiro
nunca foi um líder, um herói, um conquistador, um símbolo
não foi pai
sim, apoiou, sim, conquistou, sim, plantou
amou e muito
não foi um par não se armou e a ninguém destituiu
não fez maldades, não marcou saudades
escreveu e escreveu
o homem que eu quisser renasceu todos os dias
nem sempre com coragem nem sempre íntegro, nem sempre irmão, filho ou amigo
o homem quisser homem e um dia morrerá porque todos devem morrer como um homem deixando pra trás o mito

Este é um livro com capas de madeira
e não seriam todas?
Não leio nele palavras só veias
não interpreto nada só teias
ignoro os teus vestígios
foste uma árvore talvez em uma selva ou em um pequeno mato
que livro é este a qual ignoro mas sinto tudo?

Até amanhã
 Só pra dizer que foi hoje e não ontem em que eu terminei sem futuro

Vamos ficando aos pouquinhos
aqui um sorriso, ali uma tristeza
aqui umas ideias outras vezes um vazio
uns amigos, uns parentes, as vozes daqueles que não vemos há tempos
seus aromas, seus odores, seus conselhos
tudo juntinho e aqui
ficaram os mais afetos
os amores, as certezas
aos pouquinhos vamos como que para desafiar os desatinos
vivemos só para ficarmos mais um pouquinho


Saudades daqueles tempos sem amanhãs
dos dias em que acordávamos com as tolas surpresinhas muito bem ilustradas pelos adultos
ancorava-nos na beleza daquilo em que acreditávamos
sem a noção exata das dores de uma grande perda
acreditávamos, e era só, nas crenças que nos diziam os tios, os pais e os avós
Aos meus queridos peludos
Nenhum poema para eles eu fiz
e estavam sempre aqui encostados e me lambendo, solicitando comida e amparo
perdi-me em eflúvios para só a minha existência
em encontros e nas saudades humanas
Meus queridos, ah, meus queridos
os baixinhos e os gordinhos, os tortinhos, os arrepiados, os abandonados, as mamães e filhotes, as suas dores
as vidas, as simples vidas os meus queridos poucos e idosos
o gordinho e um outro sempre parecendo jovem
meus peludos, meus grandes amigos

Não é nunca foi fáci e nunca será
é sempre o caminho que os menos seguiram
o que eu tenho hoje em mãos talvez seja só a recordação
talvez só a imagem um imerecido herdeiro eu sou
sem tua força, sem o teu legado
mas o que farei, amigo, será resistir
Não é
nunca foi
e nunca será fácil


Passam todos e a vida é quem me passa

Pela rua em frente à minha casa
passam os lixeiros
e aqueles que vão à padaria
os que passeiam, meninos e meninas que vão e voltam da escola
passam bicicletas e carros
as domésticas, os senhores e os senhoas
os(as) trabalhadores(as)
passam cães e gatos
alguns catadores recolhem latinhas e garrafas pets
passa um cantor, um pedreiro, um pintor, um jardineiro
o carteiro passa e deixa as correspondências
alguns que não são carteiros entregam propagandas
por esta rua em que viveu o Toco
vivem outros cães e gatos
passam ratos, baratas, formigas, caramujos e lagartixas
passam todos e eu me passo porque a rua é pública e todos passam



Gosto das safadas e das desencontradas
de algumas erradas
das paradas e das enroladas
é da mulher quem eu gosto
da mulher danada

O meu lugar, parece, é aqui
parece-me, porém, esquisito
o lugar que eu pensava haver neste mundo
parece
discordar de mim
parece que eu quero e ele me ameaça
às vezes, parece que sou eu quem o ameaço e ele é quem me quer
o meu lugar, talvez,
seja aqui mesmo por vezes desencontrado com o meu destino

Dona mulher

A dona que por mim passou não tinha corpo eram curvas
esta que por mim passou era senhora de todas as lutas
eu a conheci menino
e a chamavam de puta
como todas aquelas que nos ensinaram a ter coragem para sermos melhores na cama e na vida

Ah, infame poder oculto
se eu pudesse
eu diria o que está oculto
mas como dizer o que não vemos, cheiramos, degustamos, ouvimos ou tocamos?
Só se eu pudesse...

Exis-tência
meu lugar, talvez, quem saberá, o Papa, o Mestre Budista ou meu Pai de Santo?
Quem sabe qual é senão pelo que fiz e faço
e nem tanto pelo que fizeram por mim
meus pais amaram-se, o que importa o quanto,
estou aqui
ah, meu lugar que sempre procuro estonteadamente em elogios, nos retornos e em lucros
nos amores, nos abraços e nos sorrisos dos encontros
meu lugar eu sempre procuro e sei que ele só existe por enquanto

Instável

Não tenho um lugar pra ficar, daí porque transito
pelos amores
pelos amigos
pelos trabalhos
alguns encontros
por aqui e por ali
não sei mais se vou ficar
dou-lhe meu adeus
quem sabe um dia...

Limite
Eu queria ter sido um melhor
quem sabe um pai
ou um melhor amigo, um melhor genro
um melhor filho, primo, sobrinho ou tio
um melhor ombro
um melhor amante
um melhor companheiro
um melhor previdente
um melhor cidadão
queria ter amado o suficiente ou até mais
fui eu, porém, que desenhei, os meus limites

Saudades
Às vezes, voltas porque nunca fostes
e voltas tão forte que é o teu cheiro e o afago que eu percebo
volta mais vezes, amor, tenho sede,
porque sei o quanto eu sou com todas estas lembranças

Drogado

Não tenho para o teu o meu
tempo
e o que sei é que eu durmo e acordo, às vezes
Meu tempo é uma droga
e é o tanto que eu preciso de ti
porque estou sem tempo

Só pra amar

Hoje, manhã e depois e depois e depois
Só pra te amar, aos teus e a tua vida
Amar ao máximo e gozar a vida, o momento, a natureza
amar o gozo, amar e amar que tal amar?

Que horas são para quem vem depois?

Se os outros pudessem como um domingo ser como os dias de feiras
se pudessem segurar a leveza de alguns pais nas felicidades miúdas e raras com os filhos
se estes fossem o encontro de um avô ou avó, já esquecidos de nossas mãozinhas
se pudessem fixar o único momento de alegria com os primos com os amigos de infância e hoje os únicos
se fossem todos estes os dias de domingo
teríamos os amores de todos os dias

Eu te queria não eras linda(o)
não eras magnífica(o)
nada mais eras por que te querias?
Porque eras linda(o) como um início...


Amei tanto e quis mais, levar a vida leve, mas...
amar é insuficiente sem a seiva que nos alimenta
amei e queria só por amar viver
é que sobreviver, meu amigo, é de longe superar...

Terei um tempo para o ser?
Sim,
para esta alma feliz que me acompanha

Se a solidão desarma a espera
vivo hoje uma guerra
eu preciso excitar os sentidos

Parâmetro justo
Fazer de conta de que as fantasias existem.


Uma sombra (sim, ela está aqui)
paira sobre o que escrevo e penso
recomenda condena e pretende corrigir impedir orientar definir
é uma sombra apenas
que eu afasto a sorrir

Maria
se eu fosse, eu te daria o amor
sou bronco e esquisito, mais, impossível
se eu fosse, um beijo eu daria. Sedento? Talvez!
eu te daria encontros e provocaria desejos
se eu fosse ao teu encontro, amor, por todos os amantes eu te amaria

Qdo doi no coração a alma foge
desespero é assim, desalma

Ando torto e safado pelas ruas de uma cidade que até parece alegre, mas suspira dores de um orgulho sabe-se lá de onde

Eu tenho medo de um lugar de onde eu possa ver o que fui
e me perder aqui neste apenas meu e somente meu horizonte

eu me subtrai pelos corações das amantes
e de tanto arfar, me afoguei
pulsar demais dá nisto

não passo de um um reles alguém
por isso me aninho em multidões
um conforto para quem apenas quer viver despercebido

um terço rezado inteiro alivia e elimina os pecados
um terço de pecados eu tenho

nos dias em que tento
produzo aberrações,
ah, queridos poetas, desculpem-me, apenas escrevo,
talvez pelas aberrações, talvez por apelações

Pelo único e pelo todo
pela borda e pelo miolo

eu gosto do gosto
do gozo
de você
eu gozo e gosto
de teu gozo sobreposto ao meu

Nem sei qual o limite,
eu amava simplesmente,
e você, em delírios, recuperava-se em busca de outros delírios
mergulhamos, ao amar simplesmente…

Ainda não sei o que, vivo ainda
não sei se com tempo
ainda não sei
apenas eu tenho

Moro perto de um lugar estranho, sempre morei, porque as ideias que pensava tão certas se dispersam.


Desapego
Deixar um filho ir para um onde é amar o amanhã.

Beijo (sexo oral)
eu só te quero a boca

Olhamos pelo alto e por baixo
gordos ou magros, julgamos o quantos os outros são
pensamos altivamente e obesos
decidimos, quando não, como miseráveis
porém continuamos a julgar pelo alto e pelo baixo como gordos e magros,
como tolos e fracos

Nós
admitimos demais o que dizem ser bonito
e demais o que é indigno
parecer é mais do que ser
convicções ofendem


Coti diano
Uma prisão de sentidos faz-me palavrear e minto,
todos os dias eu minto
o bom-mocismo assim prevalece sob a gravata e nas ordens dos dias,
perfil adequado, meu bem,
avesso-me todos os dias

Travesti
Correu desesperada, tinha um corpo duplo e as vergonhas alheias
o que escrevera afinal, senão desejos e somente desejos?

Recalque
O que você faz com a vergonha escondida?
engole
até que um dia ela ejacule em dor ou ira

Tento me desprender
diariamente, juro, eu queria
mas um instinto me segura
e volto à rotina
desencarnar é difícil

E de tanto me olhar, copiar, observar, e até me torturar,
afinal, o que legas é o meu rastro
tua obsessão fez-me história

Nunca fui tão distante porque de casa eu via tudo
nunca andei de qualquer jeito senão embriagado
e amei tanto e até sozinho
amar é ver tudo

se a gente pudesse, o tempo parava
e até retrocedia
crianças, jovens, idosos, animais, todos
se a gente pudesse, que loucura
mas quem pode o tempo ter?
Se a gente pudesse, maquinações e fantasias
talvez um só átimo do tempo
mas é o espaço que o consome e o torna a perder


Nada de um porquê
do querer, nada
só a face imediata deste instante

Para descobrir você fiz
palavras
uma audição
uns desenhos
fiz ideias
e nunca a encontrei

Se você puder, deixe
se puder, silencie
se você puder, desapareça
só isto e nada mais...

Sensações esquisitas
Uma luz fermenta
uma sombra mergulha
um facho corta
uma cor arrepia


Brincolagem (silabando)

Ine bri ado,
iiiii
nego
ciável
i nes pe rado,
porém
ines go
tável
anes
te siado,
porém
amasiado



Copie-me, sim, e repita e repita, copie-me
desautoriza-me, desagredita-me, copie-me.
O tanto quanto o fizeres certamente comprovará o tanto de minha excelência!

Razão última
Sobrevivi, porque devo ou será porque temo?
Por que eu, então, já que tantos se foram?
Porque eu, já que os vivi ao extremo?
Os mais e os menos loucos, os tolos, os espertos
os mais e os menos belos
os mínimos, os máximos
Por que eu?
Se nem tanto, nem mínimo?
Talvez porque somente eu seja um mais ou menos.

Violência
Medo eu tenho é da truculência
não a que me traz quebraduras, cortes na carne e hematomas,
medo eu tenho é da truculência que a tudo isto legitima,
que despreza a pobreza, a morte de animais indefesos e faz pouco caso da sensibilidade infantil
Tenho medo mesmo é desta incapacidade de amar e que diariamente se alimenta do próprio sêmen

Flagrante
Que a surpresa já não me chegue tão rápida, boa ou ruim, que venha, que me surpreenda, porém, sem armas.

**********
Sutil aspereza, sutileza
************

A primeira e eterna vez
Pelo susto e pela incógnita e o meu corpo querendo, de repente, de menino virei homem, que grata lembrança viver a expectativa de um menino.

Recorro a mim para resgatar o seu entre memórias, recorro as tuas, as minhas, as nossas, que ali e acolá estão comprimidas.

Ingênuo menino (impedimento para crescer)
Desacordei-me pra te ver, criatura, oh, criatura.
E nas vivências de menino, pensava: haveria alguma ciência?
Que nada, menino, apenas alquimias...

Naufragar em poemas é singrar em sentimentos
naufragar em sentimentos é mergulhar em poesias.

A put-aria,
caput-aria
termos lindos de uma mesma baix-aria

Que coisa, deus
Não me faça tu, oh deus
de tudo o que tenho um pecado
por que, deus, serei eu teu emissário?

Rendo-me à voz do poema louco


Sexos
estabelecer o feminino à margem do masculino
inverte o que só e somente assim lhe parece
o que há de tanto para o ser que há no masculino?
o que há de tanto para o ser que há no feminino?


Aniversário
É de se estranhar o que acontece nos aniversários
o que era nem parece com que é hoje e nem parece que o hoje já o era
estar por aqui parece estranho até mesmo tolo
teria sido ontem ou hoje, quem sabe?
Uma boa sacada, apenas viver com outréns.

Às vezes o MEDO é um MEDO tão GRANDE
que me parece apenas uma covarde ameaça pronta para se dissipar

Tipegando
tôtiachando ti chegando tiamando

Adeus ingenuidade
perversando
é tudo o que você fez pensando,
você fez, não se engane, você fez de tudo


Tá se indo, mamãe? E eu que aqui fico?
Dos anos que te levam nenhum é perdido,
vai-se e leva a justa jornada
vai que eu fico
um dia hei de partir contigo

Passando por esta estrada
tô ti vendo,
parece até que ti quero mais ti vendo
do que pelo que tintendo
Pra que, afinal tintender?
Volto à estrada


Liberdade
Havia um medo,
um medo louco a me perseguir
de um nada
de um outro
de um olhar ou de uma palavra
medo de até mesmo ser
era medo
apenas medo de vocês
até que então um dia me descobri

Eu te descrevi, vida
como a coisa das coisas que pouco sei
como a coisa das coisas que eu pouco entendi
te descrevi porque sou eu a própria coisa criada por ti.


Se a distância me trava, me embriago de imaginações...

O feio é um desassistido,
o feio é um desprevenido,
o feio tá feio porque tá ferido
Se pudesse,
parava o belo
só para que fazê-lo compreender o quão importante
lhe é o suficientemente feio


Programa
quanto custa, pergunta o menino
responde a moça um tanto estranha e bonita
todos os minutos da tua vida

Uva
Talvez a lua não seja
tão linda
como a tua uva


Implacável
Os dias que se apresentam como horas, te enganam
seja esperto
antes que só uma destas horas te vire em dias


Significado
estar por estas frestas de tempo
por estas vielas de vida
estar aqui descansado,
de que vale, afinal, estar entre
quero mesmo é estar pleno

Rejeição
Dei-lhe uma gota para nascer o amor
foi-se a esperança, você não brotou

Artimanha
Não te limite pelo olhar alheio,
remonte as tuas e somente tuas estratégias
para o golpe final do desejo


Samsara
Tô morrendo aos pouquinhos
graças aos míseros pensamentos



Poema da declaração

Quando a vi a primeira,
não me apaixonei
pela segunda, lembrei,
pela terceira vez, não havia mais lembrança

Centenas foram
algumas com e por você
muitas tão tolas sem você

Ah, vezes, nunca excessivas
algumas raras e lindas
só vezes não foram, certeza

Poema do Adeus


Não, não é comum o amor que doei
nem amei o que há de mais comum entre as dores
e deste ardor doado um beijo na boca molha apenas um adeus selado



Haikai

meu teu
teu corpo meu
sem medo teu

Insônia
Quantos?
Dias,
horas,
recursos sempre
tudo atormenta

Prumo
é nada todo mundo
é menos sem você

Dor
E se for do nascimento
e não da morte a dor sentida?
e se oportuna é aquela que diante se afirma?

comsumo
seutipudesseuticumia
nãopossoteucorpomiconsome

Só isto
O que estava para aprender está dado
o que mais a fazer
vai pro outro lado

Filhos
Todos somos filhos
muito mais vezes filhos somos do que alguém

Prazer
Gosto do prazer que nos outros a gente sente

Paz aos fantasmas (pensamento)
Por que os fantasmas habitam e assombram as casas desabitadas ou abandonadas?
Para usufruirem a tranquilidade rara e distante das televisões, gritarias e confusões das famílias.


Ninas

Nina I
Que saudade que tenho da namoramada que nunca tive
mulher ou menina, não sei
é da namorada a saudade que sinto

O que trazes, nina
é de novo 'ma ingênua vista
que tanto parece sol
que tanto se despe crua

quão bela fazes a materia bruta
quem dera me salve desta miséria absurda


Nina II
Já não é saudade o que agora sinto
nem é nina a mulher que hoje eu tive

matéria e miséria, uma bruta
outra absurda.
Ambas já não tenho

a namoramada que hoje eu tive
de tudo fez obra
a obra que o tempo prima



Augusta

Que tens senão as belas mãos de quem admira?
Que mais do que o insidioso olhar que aos outros mira?
Que fascínio traz bela e augusta figura